STRATEGIC SOURCING: A TRANSFORMAÇÃO ESTRATÉGICA DAS
EMPRESAS COMPRADORAS
INTRODUÇÃO
O
desenvolvimento da atividade de Compras/Suprimentos nas empresas compradoras
atravessou diferentes estágios na direção de uma maior sofisticação do setor. O
primeiro estágio foi caracterizado pela pouca agregação de valor realizada pelo
departamento responsável pelas aquisições de bens e serviços nas organizações.
Nesta fase, os requisitantes internos realizavam quase todas as atividades
associadas à negociação da obtenção, deixando para o setor de Compras ou
Suprimentos apenas a operacionalização da transação, consistindo de emissão da
ordem de compra, acompanhamento da entrega e escrituração de contratos cujas
cláusulas eram previamente acertadas entre o setor interno requisitante e o
fornecedor.
No segundo estágio, as aquisições passaram a ser conduzidas
integralmente pelo departamento de Compras ou Suprimentos. As comunicações com
os outros departamentos e usuários passaram a ser incentivadas para melhor
entendimento das necessidades do cliente interno. Começa a surgir nesta fase a
preocupação com redução de custos, tanto do comprador como do vendedor,
propiciando iniciativas de enxugamento do processo de cotação, otimização do
fluxo logístico, comprometimento das encomendas colocadas junto ao fornecedor e
informação antecipada aos fornecedores sobre previsões das necessidades de bens
e serviços.
A
terceira fase é marcada pela maior participação do cliente interno nas
aquisições realizadas, garantindo que todos os aspectos técnicos e do custo
total de propriedade fossem adequadamente considerados. Ainda nesta fase, o
setor de Compras ou Suprimentos deu início à prática de suportar a estratégia
competitiva da empresa através da adoção de técnicas, métodos e atividades que
ofereciam fortalecimento na posição competitiva da empresa.
No
quarto e último estágio, procedeu-se a total integração de Compras ou
Suprimentos com a estratégia competitiva da empresa, com a real caracterização
do seu papel estratégico na organização. Compras passa a constituir parte de um
esforço conjunto com as outras funções correlatas para formular e implementar
um plano estratégico no nível departamental decorrente da estratégia da
empresa, além de, também junto com as outras funções, influenciar a formulação
da estratégia da empresa numa relação recíproca. Em outras palavras, as
atividades e estratégias definidas para a função Compras ou Suprimentos buscam
suportar a estratégia competitiva da empresa e, ao mesmo tempo, serem derivadas
dela.
O
surgimento do strategic sourcing parece ter acontecido na segunda metade do
terceiro estágio descrito acima e emergiu como mecanismo de implementação de
conceitos estratégicos, pavimentando o caminho para o último estágio de
desenvolvimento estrutural do setor de Compras/Suprimentos nas organizações.
Este
texto, dividido em duas partes, desenhará um panorama da metodologia do
strategic sourcing, mostrando seu nível de implementação nas empresas
brasileiras, maturidade desta prática, razões para seu uso e motivos para não
usá-la, e, quando possível, comparará o ambiente brasileiro com outros cenários
no exterior.
DEFINIÇÃO
DO CONCEITO DE STRATEGIC SOURCING
Ainda
não existe, na literatura que trata do assunto, uma convergência entre os
autores sobre uma definição padronizada a respeito do que seria o strategic
sourcing. As duas perspectivas apresentadas a seguir procuram preencher esta
lacuna.
Olhando
para um lado mais simplista, podemos dizer que o strategic sourcing pode ser
entendido como um processo estratégico de compras/suprimentos que tem por
objetivo identificar os fornecedores que ofereçam os melhores benefícios à
organização compradora e o estabelecimento de diferentes estratégias de
relacionamento com estes fornecedores.
Por
outro lado, pode-se também dizer que o strategic sourcing é representado pela
interação dos dois macroprocessos configurados na Figura 1.
O
lado direito da Figura 1 indica que o sourcing possui uma interação grande com
o mercado fornecedor e diz respeito a toda atividade que imprima inteligência
ao processo de compras. Através do sourcing os grupos de estudo dos diversos
itens avaliam o mercado fornecedor em profundidade, segmentam estes itens em
categorias, estabelecem estratégias de compras, contribuem para a seleção dos
seus fornecedores e estabelecem as características da gestão do relacionamento
com os mesmos.
Já o
lado de procurement da Figura 1 trata das questões tradicionais de Compras
através do exercício de atividades diárias de coordenação das requisições
recebidas dos clientes internos, elaboração e administração de contratos,
acompanhamento dos pedidos colocados juntos aos fornecedores e do seu
gerenciamento.
Na prática, o strategic sourcing é a conjugação dos dois
lados da figura, onde a inteligência do sourcing cria condições para um melhor
desempenho das atividades de procurement. Esta configuração convida os
executivos a deixar de pensar em termos do atendimento das necessidades
imediatas da sua empresa e incentiva a condução das aquisições de bens e
serviços sob uma perspectiva de longo prazo, considerando-se todos os fatores
envolvidos nas decisões do negócio. Desse modo, diferentes opções são criadas e
analisadas em uma perspectiva holística.
USO DO STRATEGIC SOURCING NAS EMPRESAS
BRASILEIRAS
Muitos são os benefícios obtidos com a implementação
desta metodologia. A lista de vantagens alcançadas com as experiências das empresas
que reestruturaram seus departamentos de compras como desenhado na Figura 1
contempla realizações como as citadas a seguir:
• Redução
de custo nos produtos e serviços comprados, testemunhado por muitas empresas
que chegaram a obter até dois dígitos de média de redução no custo desses
itens;
• Padronização dos
processos devido à formalização das rotinas, que passaram a ser documentadas;
• Redução do tempo de
ciclo de atendimento das requisições dos clientes internos;
• Maior
uso de equipes multifuncionais, permitindo a participação dos setores da
organização no processo decisório de Suprimentos;
•
Maior
conhecimento do mercado fornecedor;
• Melhoria de
qualidade;
• Acesso a tecnologia
de ponta;
• Melhoria no tempo de
entrega dos fornecedores;
• Aumento de
disponibilidade quando existir escassez de fornecimento;
• Racionalização da
base de fornecedores;
• Melhoria
no relacionamento interno e externo do setor de Compras das organizações. No
segmento interno, através de maior integração com os demais setores, e, no
ambiente externo, através de melhor comunicação e entendimento com os
fornecedores.
Para atestar o nível de implementação do
strategic sourcing nas empresas brasileiras e verificar a intensidade da
realização de alguns dos benefícios acima relacionados, o Instituto ILOS
realizou uma extensa pesquisa entre um grande conjunto de empresas situadas no
Brasil, contendo as características descritas a seguir.
A pesquisa utilizou o universo das empresas
classificadas entre as mil maiores e melhores empresas, publicadas na revista
Exame. Deste universo resultou uma amostra de 95 organizações que decidiram
participar da pesquisa e que responderam ao questionário, número considerado
válido para suportar as análises estatísticas.
O faturamento médio das empresas componentes
da amostra foi de R$ 3,5 bilhões e estas pertenciam a 15 diferentes setores da
economia, conforme descrito abaixo:
• Agronegócio;
• Alimentos
e Bebidas;
• Automotivo e
Autopeças;
• Comércio varejista;
• Construção e
Engenharia;
•
Farmacêutico,
Higiene, Cosméticos e Limpeza;
• Máquinas e
Equipamentos;
• Material de
Construção;
• Mineração;
• Papel e Celulose;
• Químico e
Petroquímico;
• Serviços;
• Tecnologia e
Telecomunicações;
• Têxtil, Couro e
Vestuário.
A pergunta que chamou bastante a atenção do autor foi
aquela destinada a investigar se as empresas utilizam ou não o strategic
sourcing. O resultado encontrado foi que 46% dos entrevistados não utilizam
esse processo estratégico de aquisição dos bens e serviços. É interessante
observar que este resultado é muito semelhante ao encontrado dois anos antes,
quando - em outra pesquisa do instituto ILOS, destinada a desenhar um panorama
da gestão de Compras & Suprimentos no Brasil - concluiu-se que, em média,
metade das empresas instaladas no país não utilizava o strategic sourcing.
Quando
se procura entender que setores utilizam com maior ou menor intensidade esta
metodologia, o resultado é que segmentos da economia como Máquinas e
Equipamentos; Farmacêuticos, Higiene, Cosméticos; Metalurgia e Siderurgia;
Papel e Celulose e setor Automotivo e Autopeças apresentam elevados índices de
utilização. Por outro lado, setores como Agronegócio e Alimentos e Bebidas
apresentam índices pouco expressivos, indicando que ainda possuem empresas que
estão puxando a média para baixo e que, então, têm um grande caminho a
percorrer na direção de maior sofisticação nos processos de aquisição de bens e
serviços. Veja quadro completo na Figura 2.
Em
continuidade às observações apresentadas, podemos aprofundar nossa análise
olhando para o conjunto de empresas que utiliza a metodologia, buscando-se
investigar a maturidade dos processos de strategic sourcing até então
implementados. O quadro delineado na Figura 3 nos permite algumas observações
interessantes - poucos setores, ou seja, 16% do total da amostra que usa a
metodologia, estão na faixa de mais de cinco anos de emprego desta forma de
proceder suas aquisições. Quase 50% possuem menor tempo de utilização,
posicionando-se na média de dois anos. Este panorama reflete a pouca
experiência das empresas brasileiras no uso da metodologia quando comparamos
com outros países, como veremos adiante.
A
figura 4 retrata o resultado de pesquisa conduzida nos seguintes países:
Áustria, Bélgica, Croácia, República Checa, Dinamarca, Inglaterra, Estônia,
Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Índia, Irã, Irlanda, Israel,
Itália, Quênia, Holanda, Nigéria, Polônia, Romênia, Rússia, Arábia Saudita,
Eslováquia, África do Sul, Espanha, Suíça, Suécia, Turquia e Emirados Árabes,
totalizando 230 empresas entrevistadas, em que 72% da amostra alegaram possuir
o programa de strategic sourcing formalizado e operando normalmente. 8% da
amostra afirmaram que já estava tudo pronto para o programa entrar em execução
em doze meses a partir da data de realização da pesquisa. Desse modo, somente
20% do total da amostra não possuem qualquer iniciativa de strategic sourcing,
o que é bastante diferente do número que encontramos na pesquisa brasileira.
Tomando-se
como referência somente aquelas empresas que possuem a metodologia, observou-se
que 36% já a empregam há mais de cinco anos e outros 36% estão na faixa entre
dois e cinco anos de utilização.
Ao compararmos os números registrados nas Figuras 3 e 4,
concluímos que as iniciativas de strategic sourcing no Brasil ainda são
recentes e com pouca intensidade. Na segunda parte deste artigo, o autor faz
uma investigação das possíveis razões deste cenário.
CONCLUSÃO
Até
este ponto do desenvolvimento desta primeira parte do artigo, é possível
resumir algumas conclusões sobre o universo de empresas que adotam o strategic
sourcing e seu nível de maturidade.
A
pesquisa do ILOS demonstrou que cerca da metade das maiores empresas
brasileiras ainda não adotam esta metodologia nos seus processos de obtenção
dos bens e serviços e a maioria das que já implantaram esta iniciativa começou há pouco mais de dois anos. Isto reflete o grande
espaço ainda existente para realização do processo de transformação das nossas
empresas, tendo como marco a introdução de uma iniciativa que coloca o setor de
Compras/Suprimentos em uma posição estratégica dentro das organizações.
Ataíde Braga